sexta-feira, 29 de novembro de 2013


Maria da Penha, da dor à lei
mulher cuja vida mudou, mudou vidas. (Foto: Estadão Conteúdo)
Fortaleza, Ceará. Maio de 1983. Um casal, com três filhas pequenas, chega em casa. O marido é economista e professor universitário. A mulher, farmacêutica bioquímica com mestrado em parasitologia. Ela põe as crianças para dormir. Ele vai para a sala e liga a TV. Ela toma banho e vai se deitar. De repente, acorda com um tiro nas costas. Imediatamente pensa: "Acho que meu marido me matou". Desmaia. Quando recobra a consciência, vê muitas pessoas à sua volta. São os vizinhos. Assustados, enquanto esperam a ambulância, comentam que houve uma tentativa de assalto. O marido está na sala com o pijama rasgado e uma corda enrolada no pescoço. Por enquanto, só ela sabe que o homem - que sempre agrediu a ela e às crianças - está fazendo um teatro. Mais tarde as investigações vão provar que o marido foi o autor do disparo. Mas o terror não acabou naquela noite. Depois de várias cirurgias e meses de hospital, presa para o resto da vida a uma cadeira de rodas, ela sofrerá um segundo atentado dentro do banheiro da casa. O marido tentará eletrocutá-la. Não consegue, pois ela grita e a babá das filhas aparece.
O nome dele é Marco Antonio Heredia Viveros. O dela, Maria da Penha Maia Fernandes. Vinte e três anosdepois do tiro nas costas, a mulher seria homenageada dando seu nome à Lei 11.340, assinada pelo presidente Lula, em 2006. A Lei Maria da Penha que responsabiliza autores de ameaças, agressões, assassinatos embaixo do guarda-chuva da violência doméstica. Mas Maria da Penha é uma entre uma multidão de outras que são submetidas à violência por parte de namorados, noivos, maridos, amantes atuais ou ex. O caso da farmacêutica demonstrou para a opinião pública que a violência doméstica ocorre em qualquer classe social e nível de escolaridade.
No Brasil, desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, o número de mulheres que discam o Ligue 180 - um SOS Mulher - cresceu 600%. A pergunta é: a violência encrudesceu, ou as mulheres estão denunciando mais? É a própria Maria da Penha quem responde: "Acho que a população está mais ciente de que existe uma lei para proteger as mulheres vítimas de violência." A ministra Eleonora Menicucci, titular da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), vai nessa mesma linha de raciocínio: "O aumento de denúncias significa que as mulheres estão acreditando mais nas políticas públicas. Estão acreditando que a impunidade do agressor está chegando ao fim."
A longa batalha
Após as duas tentativas de assassinato por parte do marido, Maria da Penha iniciou várias batalhas contra a impunidade de seu agressor. Mas as portas e os ouvidos das autoridades se fecharam, mesmo tendo Marco Heredia como único suspeito dos crimes. Um ano depois dos fatos, ele é detido. Alega inocência, é liberado. Apenas em 1991 ele vai ao tribunal e é condenado a 15 anos de prisão. Mas o julgamento é anulado. Fato parecido aconteceu no julgamento do jornalista Pimenta Neves - assassino confesso da ex-namorada e também jornalista Sandra Gomide. O Brasil inteiro viu pela TV que, apesar de condenado, Pimenta saiu livre para o conforto de sua casa. Finalmente, o réu teve seu último recurso negado pelo STF e cumpre pena de 15 anos.
Marco Heredia, em 1996, vai para um segundo julgamento. É condenado a dez anos e seis meses de reclusão, mas ganha o direito de recorrer em liberdade. Nesse tempo, tendo seu algoz solto, Maria da Penha segue engajada na luta por justiça. Ela escreve o livro Sobrevivi... Posso contar. Ganha aliados nos grupos organizados de feministas e de direitos humanos. Em agosto de 1998, sua denúncia chega à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Depois da análise dos fatos, a OEA adverte o Brasil. Claramente recomenda que Marco Antonio Heredia Viveros seja responsabilizado, sob pena do governo brasileiro ser declarado conivente com a violência contra a mulher.
Dezenove anos e cinco meses depois da tentativa de assassinato que a deixou paraplégica, Maria da Penha vê Heredia ser finalmente preso. Ele cumpriu menos de 1/3 da pena em regime fechado. Hoje está em liberdade condicional. Marco também escreveu um livro, no qual jura inocência. Igual inocência que jurou o goleiro Bruno quando do desaparecimento da ex-amante Elisa Samudio. O réu só confessou saber do assassinato de Elisa no último dia do julgamento. Na opinião de Maria da Penha: "Se a Lei que leva meu nome tivesse sido devidamente aplicada, talvez Elisa estivesse viva". É fato, a moça fez várias denúncias de ameaças e maus-tratos por parte do Bruno. Todas em vão.
Maria da Penha trabalha todos os dias para que a Lei 11.340 seja plenamente divulgada em todo o país e levada a sério pelos operadores de Justiça. Ela participa de encontros, reuniões, seminários. Sabe que sua história e seu nome são símbolos. Mais do que isso, eles são uma esperança para que outras mulheres vivam uma vida livre da violência. E que os agressores paguem. A impunidade dói tanto quanto as violências sofridas.
FONTE: Yahoo



Ipea: Lei Maria da Penha não reduziu mortalidade de mulheres


O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresenta nesta quarta-feira, na Câmara dos Deputados, um estudo da violência contra a mulher no Brasil, corrigindo taxas de mortes por agressão e perfil dos assassinatos de mulheres no País e nos Estados. A conclusão é que a Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, não diminuiu a mortalidade do gênero até 2011, em comparação com cinco anos antes da sua vigência. Segundo o Ipea, de 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a 5 mil mortes por ano. A Região Nordeste apresenta os maiores números.
"Destaca-se a necessidade de reforço às ações previstas na Lei Maria da Penha, bem como a adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento à violência contra a mulher, à efetiva proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero no Brasil", afirmou o instituto na pesquisa. Com 6,9 mortes para cada 100 mil mulheres, o Nordeste lidera a estatística, e a Região Sul, com 5,08, tem os menores índices.
Conforme o Ipea, as taxas de mortalidade por 100 mil mulheres foram 5,28 no período de 2001 a 2006, antes da Marinha da Penha, e 5,22 de 2007 a 2011, uma redução insignificante. O Estado do Espírito Santo, com 11,24 assassinatos por 100 mil, é o mais perigoso do País, seguido pela Bahia (9,08) e Alagoas (8,84). Por outro lado, o Piauí, com 2,71 mortes, é o último da lista. O Ipea estima que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia.
Jovens, negras e com baixa escolaridade
O Ipea concluiu também que mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos, sendo 61% de mulheres negras, que foram as principais vítimas em todas as regiões, à exceção da Sul. No Nordeste, o número atingiu 87%, e no Norte, 83%.
A maior parte das vítimas tinha baixa escolaridade, e 48% daquelas com 15 ou mais anos de idade tinham até oito anos de estudo. No Brasil, 50% dos feminicídios envolveram o uso de armas de fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou contundente. De acordo com o instituto, 29% dos feminicídios ocorreram em domicílios, 31% em via pública e 25% em hospital ou outro estabelecimento de saúde. 
Jornal do Brasil






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